👉 Leia aqui o Livro - Quem escreveu a Bíblia? (1)




Introdução: encarando a verdade (1)

     Em um dia ensolarado de junho, quando eu tinha 14 anos, minha mãe me contou que ela e meu pai iriam jogar uma partida de golfe. Fiz uma conta rápida de cabeça. Eles demorariam vinte minutos para chegar ao clube e aproximadamente quatro horas para jogar 18 buracos. Voltariam para casa após um pequeno descanso. Eu tinha cinco horas. 

Telefonei para meu amigo Ron, na mesma rua, dizendo que meus pais passariam a tarde inteira fora e que eu pegara dois charutos do estoque completo de meu pai. Ron gostou da minha ideia e disse que apanhara umas latas de cerveja e as escondera nos arbustos. Os prazeres do Paraíso batiam à nossa porta. 

Quando Ron chegou, subimos para meu quarto, onde abrimos a janela, acendemos os charutos, abrimos as latas de cerveja e nos sentamos para passar uma tarde com tudo, menos um discurso intelectual. Mas, após uns dez minutos, para meu horror, ouvimos um carro parar na entrada, a porta de trás se abrir e minha mãe gritar avisando que haviam chegado. O campo de golfe estava lotado, e eles haviam decidido não esperar quarenta minutos para a tacada inicial. 

Ron e eu entramos imediatamente em modo de emergência. Jogamos os charutos e a cerveja no vaso sanitário, demos descarga, escondemos as latas no lixo, pegamos duas latas de desodorante e começamos a usar no quarto para tentar disfarçar a fumaça, que já saía pela janela. Ron se esgueirou pela porta dos fundos e fiquei sozinho, suando frio, certo de que minha vida estava prestes a chegar ao fim.

Desci as escadas, e meu pai me fez a pergunta fatal: 

— Bart, você e Ron estavam fumando lá em cima? 

Fiz o que qualquer garoto de 14 anos que se preza faria. Menti descaradamente: 

— Não, pai, eu não! (A fumaça ainda pairava pesada no ar enquanto eu falava.) 

A expressão dele se suavizou, chegando quase a um sorriso, e ele disse algo de que me lembrei por muito tempo — na verdade, por quarenta anos. 

— Bart, não me importo com que você fume uma vez ou outra. Mas não minta para mim.

Naturalmente, garanti a ele: 

— Não vou mentir, papai.

 UM COMPROMISSO POSTERIOR COM A VERDADE 

Cinco anos depois, eu era um ser humano diferente. Todos mudam nos últimos anos da adolescência, claro, mas quero dizer que minha mudança foi mais radical que a da maioria. Entre outras coisas, nesse intervalo, eu me tornara um cristão renascido, me formara no colégio, entrara para uma faculdade de teologia fundamentalista — o Moody Bible Institute — e tinha no currículo dois anos de formação séria em estudos bíblicos e teologia. No Moody, não podíamos fumar (“Seu corpo é o templo do Espírito Santo”, ensina o Novo Testamento, e você não polui o templo de Deus!), tomar bebidas alcoólicas (“não vos embriagueis com vinho”; não me ocorreu que poderia não ser problema se embriagar com bourbon) ou, bem, fazer muitas outras coisas que seres humanos normais dessa idade fazem: ir ao cinema, dançar, jogar cartas. Eu, na verdade, não concordava com o “código de conduta” da faculdade (também havia um código de vestimenta e, para os homens, um código capilar: nada de cabelos compridos ou barbas), mas meu ponto de vista era que, se eu decidira ir para lá, isso significava seguir as regras. Se quisesse outras regras, poderia ir para outro lugar. Porém, mais que isso, de um estudante de 14 anos melhor que a média, interessado em esportes, com pouca noção do mundo ou do seu lugar nele e nenhum compromisso especial com dizer a verdade, me tornei um de 19 anos que era um cristão evangélico extremamente zeloso, rigoroso, devoto (moralista), estudioso e comprometido com noções sólidas de certo e errado, verdade e equívoco. 

No Moody Bible Institute, éramos fortemente comprometidos com a verdade. Eu diria, mesmo hoje, que ninguém no planeta é mais comprometido com a verdade do que um cristão evangélico sério e sincero. E no Moody com certeza éramos sérios e sinceros. Para nós, a verdade era tão importante quanto a própria vida. Acreditávamos na Verdade, com “v” maiúsculo. Jurávamos dizer a verdade, esperávamos a verdade, buscávamos a verdade, estudávamos a verdade, pregávamos a verdade, tínhamos fé na verdade. “Teu Verbo é verdade”, dizem as Escrituras, e o próprio Jesus era “o caminho, a verdade e a vida”. Ninguém podia “chegar ao Pai” a não ser por intermédio dele, o verdadeiro “Verbo que se fez carne”. Apenas descrentes como Pôncio Pilatos eram confusos a ponto de perguntar “O que é a verdade?”. Como seguidores de Cristo, éramos uma categoria diferente. Como o próprio Jesus havia dito: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” 

Aliado ao nosso compromisso com a verdade, acreditávamos em objetividade. A verdade objetiva era tudo que existia. Não havia algo como “verdade subjetiva”. Algo era verdadeiro ou falso. Sentimentos e opiniões pessoais não tinham nada a ver com isso. A objetividade era real, possível, atingível, e tínhamos acesso a ela. Era por meio de nosso conhecimento objetivo da verdade que conhecíamos Deus e sabíamos o que Deus (e Cristo, e o Espírito Santo, e tudo o mais) era.

Uma das ironias da religião moderna é que o compromisso absoluto com a verdade em certas formas de cristianismo evangélico fundamentalista e a concomitante visão de que a verdade é objetiva e pode ser verificada por qualquer observador imparcial levaram muitas almas fiéis a seguir a verdade aonde quer que ela leve — e com frequência leva para longe do cristianismo evangélico e fundamentalista. Então, se você teoricamente pode verificar a verdade “objetiva” da religião, e se isso revela que a religião examinada pode ser provada errada, onde isso o deixa? Se você é um cristão evangélico, isso o deixa no deserto fora do campo evangélico, mas com uma visão impenitente da verdade. Parafraseando uma canção não muito cristã, a verdade objetiva tem sido a ruína de muitos pobres garotos, e Deus, eu sei, sou um deles. 

Antes de sair para o deserto (que, ao revelar-se, é um paraíso luxuriante comparado ao campo árido do cristianismo fundamentalista), me interessei intensamente por “provas objetivas” da fé: prova de que Jesus se erguera fisicamente do meio dos mortos (túmulo vazio! testemunhas!), prova de que Deus atuava no mundo (milagres!), prova de que a Bíblia era a palavra inequívoca de Deus, sem qualquer espécie de erro. Como resultado, me dediquei ao campo de estudo conhecido como apologética cristã. 

O termo “apologética” vem do grego apologetikos, significando uma “defesa argumentativa” da fé. A apologética cristã se dedica não apenas a mostrar que a fé em Cristo é razoável, mas que a mensagem cristã pode ser demonstrada verdadeira, como pode ser visto por qualquer um disposto a suspender a descrença e examinar objetivamente as evidências. 

O motivo pelo qual esse compromisso com as evidências, a objetividade e a verdade causou problemas a tantos evangélicos bem-intencionados ao longo dos anos é que eles — pelo menos alguns deles — acreditam que, se algo é verdade, necessariamente vem de Deus, e o pior que você pode fazer é acreditar em algo falso. A busca pela verdade o leva aonde as evidências o levam, mesmo que inicialmente você não queira ir até lá. 

Quanto mais eu estudava as alegações evangélicas de verdade acerca do cristianismo, sobretudo alegações sobre a Bíblia, mais me dava conta de que a “verdade” estava me levando a um lugar aonde eu não queria ir. Após me formar no Moody e seguir para o Wheaton College para concluir meu bacharelado, estudei grego, para poder ler o Novo Testamento no idioma original. De lá, segui para o Seminário Teológico de Princeton pretendendo estudar com um dos grandes mestres do Novo Testamento grego, Bruce Metzger. Escrevi uma dissertação de mestrado orientada por ele e, depois, uma tese de doutorado. Durante meus anos de graduação, eu estudara o texto do Novo Testamento assídua, intensa e minuciosamente. Fiz seminários de um semestre sobre livros do Novo Testamento, estudados no idioma original. Escrevi ensaios sobre passagens difíceis. Li tudo em que consegui colocar as mãos. Era apaixonado por meus estudos e pela verdade que conseguia encontrar. 

No entanto, em pouco tempo comecei a perceber que a “verdade” sobre a Bíblia não era exatamente o que eu um dia pensara quando era um cristão evangélico comprometido no Moody Bible Institute. Quanto mais via que o Novo Testamento (para não falar do Antigo Testamento, no qual os problemas eram ainda mais graves) estava repleto de discrepâncias, mais angustiado eu ficava. No Moody, eu achara que todas as discrepâncias podiam ser objetivamente solucionadas. No entanto, acabei entendendo que, na verdade, não podiam. Lutei contra esses problemas, rezei sobre eles, estudei-os, busquei orientação espiritual, li tudo o que pude. Mas, sendo alguém que acreditava que a verdade era objetiva, e não disposto a acreditar que era falsa, passei a achar que a Bíblia não podia ser o que eu achara ser. Ela continha erros. E, nesse caso, não era de todo verdadeira. Isso era um problema para mim, pois eu queria acreditar na verdade, na verdade divina, e descobri que a Bíblia não era a verdade divina absoluta. A Bíblia era um livro muito humano. 

Os problemas, porém, não pararam por aí. Acabei me dando conta de que a Bíblia não só continha inverdades ou erros involuntários. Ela também continha o que praticamente qualquer um hoje chamaria de mentiras. Este livro é sobre isso.

A VERDADE NA HISTÓRIA DO CRISTIANISMO   

Pode-se argumentar que a obsessão pela verdade em segmentos do cristianismo evangélico hoje se equipara ao compromisso com a verdade nos primeiros anos do cristianismo. É um dos traços que o distinguiram das religiões da Antiguidade.  

A maioria das pessoas hoje não percebe que as antigas religiões quase nunca se interessavam por “crenças verdadeiras”. As religiões pagãs — me refiro às religiões politeístas da imensa maioria das pessoas no mundo antigo, que não eram nem judias nem cristãs — não tinham credos que necessitassem ser recitados, crenças a serem afirmadas ou escrituras que precisassem ser aceitas como se transmitissem a verdade divina. A verdade interessava aos filósofos, não aos praticantes da religião (a não ser que eles também se interessassem por filosofia). Por mais estranho que isso possa nos parecer hoje, as antigas religiões não exigiam que você acreditasse em uma coisa ou em outra. A religião dizia respeito às práticas adequadas: sacrifícios aos deuses, por exemplo, e orações definidas. Ademais, como a religião não estava particularmente preocupada com aquilo em que você acreditava em relação aos deuses, e como todas essas religiões permitiam, e até encorajavam, a adoração de muitos deuses, fazia pouco sentido que se uma das religiões estivesse certa, as outras estariam erradas. Todas podiam estar certas! Havia muitos deuses e muitas formas de adorá-los, não um único caminho para o divino.

Essa visão — a visão dominante da Antiguidade — é oposta ao que a maioria de nós pensa acerca de religião hoje, claro. Em nossa visão, se os batistas estão certos, os católicos romanos estão errados; se os judeus estão certos, os budistas estão errados; se os muçulmanos estão certos, os cristãos estão errados, e assim por diante. Mas não no mundo antigo. A adoração de Zeus não era mais “certa” que a adoração de Atena, Apolo, dos deuses da sua cidade ou de sua família. 

Outra diferença fundamental entre as religiões atuais e as da Antiguidade é que as antigas religiões politeístas não eram muito preocupadas com a vida após a morte. Elas se interessavam pela vida no presente, como sobreviver em um mundo difícil e caprichoso e como viver bem: como

garantir que chovesse e as plantas florescessem; como sobreviver à doença ou à guerra; como ter o suficiente para comer e beber; como levar vidas produtivas e frutíferas; como fazer o garoto ou a garota da casa ao lado se apaixonar perdidamente por você. 

Entre as muitas coisas que tornaram o cristianismo diferente das outras religiões do Império Romano, com a parcial exceção do judaísmo, é que os cristãos insistiam na importância daquilo em que você acreditava, em que crer nas coisas corretas podia torná-lo “certo” e crer nas coisas incorretas podia torná-lo “errado”, e, se você estivesse errado, seria punido por toda a eternidade no fogo do inferno. O cristianismo, ao contrário das outras religiões, era exclusivista: afirmava que tinha a Verdade, e que todas as outras religiões viviam em Erro. Ademais, essa verdade envolvia alegações acerca de Deus (só há um, por exemplo, e Ele criou o mundo), de Cristo (era ao mesmo tempo divino e humano), da salvação (só é possível por intermédio da fé em Cristo), da vida eterna (todos serão abençoados ou atormentados por toda a eternidade), e assim por diante.1 

A religião cristã se enraizou nessas alegações, que acabaram compondo formulações bastante ritualizadas, como o Credo de Niceia. Como resultado, desde o princípio, os cristãos precisaram apelar às autoridades para saber no que acreditar. Acredita que esta visão é verdadeira em oposição àquela? Qual é sua autoridade para dizer isso? A autoridade final era Deus, claro. Mas a maioria dos cristãos passou a achar que Deus não contava diretamente aos indivíduos a verdade sobre no que acreditar. Caso fizesse isso, haveria enormes problemas, já que alguém poderia alegar autoridade divina para o que ensinava, e outros poderiam alegar autoridade divina para um ensinamento oposto. Assim, a maioria dos cristãos não insistia na revelação pessoal a indivíduos vivos. Em vez disso, insistiam em que Deus revelara sua verdade em uma época anterior por intermédio de Cristo a seus apóstolos. Nos primórdios da Igreja, os apóstolos eram autoridades nas quais se podia confiar. Mas, quando os apóstolos morreram, onde buscar a autoridade? 

Era possível alegar — e de fato muitos o fizeram — que os líderes das igrejas apontados pelos apóstolos podiam levar adiante seus ensinamentos, de modo que esses líderes tinham autoridade igual à do próprio Deus. Deus enviou Jesus, que escolheu seus apóstolos, que instruíram seus sucessores, que passaram adiante os ensinamentos sagrados aos cristãos comuns.2 Entretanto, essa visão gerou muitos problemas. Para começar, à medida que as igrejas se multiplicavam, já não podiam alegar ter como líder alguém que conhecera um apóstolo, ou mesmo alguém que conhecesse alguém que um dia houvesse conhecido um apóstolo. Um problema ainda maior era o fato de que diferentes líderes de igrejas, para não falar em diferentes cristãos em suas congregações, podiam alegar ensinar as verdades apostólicas. Mas essas “verdades” entravam em contradição com o que outros líderes e mestres diziam ser os ensinamentos dos apóstolos. 

Como resolver esses problemas? A resposta óbvia surgiu logo no início do movimento cristão. Era possível saber o que os apóstolos haviam ensinado por meio dos escritos deixados por eles. Esses autores oficiais produziram ensinamentos oficiais. Portanto, a verdade oficial podia ser encontrada nos escritos apostólicos.3

Embora isso soe como uma solução perfeita para o problema, a solução criava seus próprios problemas. Um deles envolvia uma realidade que os primeiros cristãos não haviam considerado, mas da qual os estudiosos de hoje têm plena consciência. A maioria dos apóstolos era analfabeta (discutirei isso melhor no capítulo 2). Não poderiam ter deixado um escrito oficial nem se suas almas dependessem disso. Outro problema foi que começaram a aparecer textos supostamente escritos por apóstolos, mas contendo todo tipo de pontos de vista bizarros e contraditórios. Circulavam evangelhos supostamente escritos pelos discípulos de Jesus: Pedro, Filipe e Maria, e seus irmãos Tomé e Tiago. Surgiram cartas supostamente escritas por Paulo (além daquelas que ele de fato escreveu), Pedro e Tiago. Apareceram apocalipses descrevendo o fim do mundo ou o destino das almas após a morte, em nome dos seguidores de Jesus: João, Pedro e Paulo. Alguns textos que surgiram teriam sido escritos pelo próprio Jesus. 

Em muitos casos, os autores desses textos não poderiam ser quem diziam, como inclusive os primeiros cristãos perceberam. Os pontos de vista encontrados nesses escritos foram, com frequência, considerados “heréticos” (isto é, transmitiam falsos ensinamentos), se contradiziam mutuamente e aos ensinamentos que haviam se tornado o padrão da igreja. Mas por que autores alegariam ser pessoas que não eram? Por que um autor alegaria ser um apóstolo não o sendo? Por que um personagem desconhecido escreveria um livro se autodenominando Pedro, Paulo, Tiago, Tomé, Filipe ou mesmo Jesus? 

A resposta deveria parecer razoavelmente óbvia. Se seu nome era Josafá e ninguém (além de, digamos, seus pais e irmãos) tinha qualquer ideia de quem você era, e você queria escrever um evangelho oficial sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, uma carta oficial descrevendo no que os cristãos deveriam acreditar ou como deveriam viver, ou um apocalipse inspirado descrevendo detalhadamente o destino das almas depois da morte, não seria bom colocar seu próprio nome no livro. Ninguém levaria a sério o evangelho de Josafá. Se você queria que alguém o lesse, chamaria a si mesmo de Pedro. Ou Tomé. Ou Tiago. Em outras palavras, você mentiria sobre quem realmente era. 

Costuma ser dito — mesmo por acadêmicos que deveriam ser bem-informados — que, no mundo antigo, esse tipo de texto “pseudônimo” (isto é, falsamente assinado) não era considerado uma mentira, e não pretendia ser enganoso. Parte do que mostraremos neste livro é que esse ponto de vista é    errado (ver capítulo 4). Autores antigos que falaram sobre essa prática de escrever um livro em nome de outra pessoa disseram que era, ao mesmo tempo, mentira e desonestidade, e que não era uma prática aceitável. 

Muitos textos cristãos antigos são “pseudônimos”, com um “nome falso”. A palavra mais comum para esse tipo de escrito é “falsificação” (Ofereço definições mais precisas desses termos no capítulo 1). No mundo antigo, a falsificação era um pouco diferente de hoje, pois não era contra a lei. Contudo, embora não fosse uma atividade ilegal, era desonesta e envolvia mentira consciente, como os próprios antigos disseram.

A questão crucial é: será possível que alguma das primeiras falsificações cristãs tenha chegado ao Novo Testamento? Que alguns dos livros do Novo Testamento não tenham sido escritos pelos apóstolos cujos nomes estão ligados a eles? Que algumas das cartas de Paulo não foram realmente escritas por Paulo, mas por alguém alegando ser Paulo? Que Tiago e Judas não escreveram os livros que levam seus nomes? Ou — em um caso um pouco diferente, como veremos — que os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João não foram escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João? 

Ao longo de mais de cem anos, os estudiosos notaram que, na verdade, esse é o caso. Os autores de alguns dos livros do Novo Testamento não eram quem alegavam ser ou quem se imaginou que seriam. Em alguns casos, isso se deu porque um escrito anônimo, no qual um autor não indicava quem era, foi posteriormente atribuído a alguém que, na verdade, não o escreveu. Mateus provavelmente não escreveu Mateus, por exemplo, nem João, João (ver capítulo 7); por outro lado, nenhum livro de fato alega ter sido escrito por uma pessoa chamada Mateus ou João. Em outros casos, isso aconteceu porque o autor mentiu sobre sua identidade, alegando ser alguém que não era. Como já insinuei, alguns estudiosos há muito relutam, e mesmo se recusam a chamar essa atividade autoral de mentira e os produtos literários resultantes de falsificações. Como explicarei em detalhes nos capítulos seguintes, a maioria dos estudiosos que realmente leu o que os antigos autores dizem sobre o fenômeno não tem tal hesitação.

      É    verdade que os antigos autores que mentiram sobre sua identidade poderiam acreditar ter a consciência limpa, que o que fizeram era justificado, que, no fim das contas, estavam certos. Podem ter pensado e acreditado, pelo menos intimamente, que tinham ótimos motivos para fazer o que fizeram. Mas, como veremos em capítulos posteriores, pelos padrões antigos, esses autores se envolveram em atividades fraudulentas, e os livros que eles produziram foram falsificações. 

Deixe-me concluir esta introdução dizendo que passei os últimos cinco anos estudando a falsificação, sobretudo nos mundos grego e romano antigos, mas não exclusivamente no cristianismo. Meu objetivo sempre foi escrever uma detalhada monografia acadêmica sobre o tema. O livro que você está lendo agora não é essa monografia acadêmica. O que tento fazer neste livro é discutir o tema em um nível leigo, apontando os aspectos de fato interessantes do problema ao destacar os resultados de minha própria pesquisa e mostrando o que os estudiosos há muito disseram sobre os escritos do Novo Testamento e dos textos cristãos com pseudônimos fora do Novo Testamento. A monografia acadêmica a ser publicada será muito mais documentada e argumentada. Este livro, em outras palavras, não é voltado para meus colegas acadêmicos, que, caso o leiam, o farão apenas por curiosidade. É, ao contrário, destinado a você, leitor comum, que de alguma forma se interessa, assim como eu, pela verdade.


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